Uma negociata e tanto
Medida provisória que beneficiou montadoras em 2009 foi comprada por lobby, que depois repassou dinheiro ao filho de Lula. Denuncia eleva a tensão política na semana do julgamento de suas contas pelo TCU
Marcelo Rocha
Ao retornar no início da semana passada de Nova York, onde participou da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e esteve com o papa Francisco, a presidente Dilma Rousseff imaginou que havia recuperado algum fôlego. Negociou uma reforma administrativa, que estabeleceu corte de ministérios e cargos comissionados, e mexeu em pastas para abrir mais espaço ao PMDB, dando uma nova configuração à Esplanada dos Ministérios. A presidente acompanhou ainda pelo noticiário o agravamento das acusações contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na Operação Lava Jato. Enfim, a semana parecia mais arejada para Dilma, até o surgimento na quinta-feira 1 de duas novas e explosivas denúncias. Na primeira, há fortes indícios de irregularidade na edição de uma medida provisória, durante o governo Lula, que teria sido comprada por meio de um esquema de lobby e corrupção para favorecer montadoras. Para ser publicado, o texto passou por Dilma, então ministra da Casa Civil. A operação teve como beneficiário final o filho do ex-presidente Lula, Luís Cláudio Lula da Silva. A outra denúncia traz mensagens trocadas por telefone celular em julho de 2014, ano eleitoral, entre Ricardo Pessoa, da UTC, e um executivo da empreiteira. Os textos sugerem que as doações para campanha de Dilma estavam associadas ao recebimento de valores de contratos da Petrobras. As revelações elevam a tensão política às vésperas do julgamento das contas do governo de 2014 pelo TCU. A tendência é pela reprovação. O parecer da área técnica considerou as pedaladas fiscais promovidas por Dilma irregulares. O tema deve ser submetido ao plenário do tribunal nesta quarta-feira 7.

O BENEFICIÁRIO
Consultorias suspeitas de atuar na compra da medida provisória
transferiram R$ 2,4 milhões a uma empresa de Luís Claudio Lula da Silva
O problema para a presidente no caso da edição, em 2009, da MP 471 - que beneficiou montadoras com a prorrogação do desconto do IPI de carro - é que a medida passou pelo crivo da Casa Civil, comandada por Dilma. Há suspeitas de que empresas negociaram pagamentos de até R$ 36 milhões a lobistas para conseguir do Executivo a medida provisória que prorrogou incentivos fiscais de R$ 1,3 bilhão ao ano. Há relatos de uma reunião entre lobistas e o ex-ministro Gilberto Carvalho, então Secretário-Geral da Presidência, quatro dias antes de o texto ser editado. Além disso, na contabilidade de uma das empresas que teria atuado para viabilizar a medida provisória, apareceu um repasse de R$ 2,4 milhões ao empresário Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente. A transferência ocorreu em 2011, quando os benefícios fiscais passaram a ter validade.
Foram identificadas mensagens em que foi discutida a oferta de propina a agentes públicos e políticos, mas nomes não teriam sido mencionados. A reportagem citou as empresas MMC Automotores, subsidiária da Mitsubishi no Brasil, e Grupo Caoa (fabricante Hyundai e revendedora das marcas Ford, Hyundai e Subaru) como interessadas na extensão da desoneração fiscal, que deixaria de valer a partir de janeiro de 2011. As duas contrataram os escritórios SGR Consultoria Empresarial, do advogado José Ricardo da Silva, e Marcondes & Mautoni Empreendimentos, do empresário Mauro Marcondes Machado, para cuidar do assunto. Recentemente, a MMC Automotores teve a Receita Federal como um dos seus principais clientes. Forneceu picapes ao Fisco para serem distribuídos em todo país após vencer licitação. Recebeu R$ 52 milhões em 2013, segundo as contas oficiais.

SINAL VERDE
Quando ministra da Casa Civil, presidente deu aval à operação suspeita
O texto de uma das mensagens, datada de 15 de outubro de 2010, afirma que houve “acordo para aprovação da MP 471” e que teria sido combinado o pagamento de R$ 4 milhões a “pessoas do governo, PT”. José Ricardo, da SGR Consultoria, tem trânsito pelo partido. Ele é ligado à advogada Erenice Guerra, que ocupou o cargo de secretária executiva da Casa Civil quando Dilma era a ministra e, depois, a substituiu no comando da pasta quando a atual presidente se afastou para disputar as eleições presidenciais de 2010. De acordo com os autos da Operação Zelotes, José Ricardo e Erenice atuaram juntos no Carf e na Justiça Federal em São Paulo.
Existe no Congresso uma CPI que apura o esquema de venda de sentenças no Carf desvendado pela Operação Zelotes. A história sobre a MP foi assunto em audiência na semana passada. A porta-voz do Planalto foi a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), relatora da comissão. A parlamentar é contra investigar os indícios de irregularidade na tramitação da medida provisória. Recém embarcado no Rede de Marina Silva, Randolfe Rodrigues (AP) discordou. Ele pretende apresentar requerimentos para quebrar o sigilo bancário e fiscal dos escritórios envolvidos. E defende a convocação de Erenice Guerra e do advogado José Ricardo, além de Luís Cláudio. O filho do ex-presidente confirmou ter recebido dinheiro do Marcondes & Mautoni, uma dos escritórios citados no suposto lobby da prorrogação da MPF 471. Mas argumentou que o valor se referia a serviços prestados na área de marketing esportivo. Haja fôlego do governo para explicar tantos problemas.
Fonte : Revista Isto é