Jean Wyllys disse que votou contra o impeachment e, em seguida, foi insultado
por Bolsonaro. Cuspiu-lhe (e faria isso de novo). Uns 30% o volume líquido
emitido alcançou o alvo. Isso é crime? Há poucos dias a ministra da Agricultura
Kátia Abreu jogou uma taça de vinho na cara do senador José Serra, depois de
ter sido insultada, é crime?
Em regra uma cusparada significa injúria (ofensa à honra subjetiva de
uma pessoa). Não se trata de difamação porque não envolve a narrativa de fato
desabonador. Não é calúnia porque não descreve um delito.
Mas no caso concreto de Wyllys dois fatores são relevantes: (a) trata-se
de um parlamentar que goza de imunidade penal (material) em suas palavras,
opiniões e votos (que incluem gestos e outros atos); (b) nunca podemos ignorar
o direito de retorsão imediata.
Os parlamentares brasileiros (grande maioria), durante a votação do
impeachment, estavam exaltados. Levaram para o microfone a mesma emoção
biliática dos eleitores nas ruas e nas redes sociais. A emocionalidade briga
com a racionalidade.
Algumas pessoas ficaram chocadas com o que viram. Mas esse é o país em
que vivemos. É só passar os olhos na História para se ver que as disputas
políticas de 2016 não são distintas, em termos de qualidade dos debates, da
primeira metade do século XIX. A emocionalidade supera a racionalidade em
muito. Mais: é bem provável que o parlamento não seja nada mais nada menos que
espelho da sociedade.
O que se esperar de um povo latino sem a presença massiva dos
protestantes, com seu amor pelo valor do trabalho? Que se esperar de um povo
que desenvolveu um tipo de capitalismo escravagista sem ética? Que ocorre
quando um bando de animais pouco domesticados se encontram para um debate
exaltado pela emocionalidade?
Há pouco tempo uma queixa-crime instaurada pelo deputado João Rodrigues
(PSD-SC) contra Jean Wyllys foi arquivada no STF (Inq. 4177). Tratava-se de uma
acirrada discussão que ambos tiveram no plenário da Câmara (em 28/10/15).
Wyllys chamou o colega de “ladrão, bandido, desonesto, indecente,
estúpido e fascista”. O detalhe é que João tinha sido condenado por crimes da
lei de licitações.
O STF invocou a impunidade parlamentar material prevista no art. 53 da
CF. O PGR pediu o arquivamento do feito. A discussão foi no plenário da Casa. O
uso de palavras de baixo calão é criticável, mas não configura crime, quando no
exercício da função parlamentar. Muito provavelmente a cusparada terá o mesmo
destino (se, de fato, houve insulto prévio).
A imunidade parlamentar significa uma autorização para a prática de alguns
atos. Quando uma norma autoriza um comportamento que está permitido por ela não
pode estar proibido por outra norma (teoria da tipicidade conglobante de
Zaffaroni ou teoria da criação de risco proibido de Roxin ou teoria da
tipicidade material, sistematizado por nós).
Fonte : Delegados.com.br